quinta-feira, maio 29, 2008

A FRAGILIDADE DE UMA CRENÇA

http://dn.sapo.pt/2008/05/26/opiniao/a_fragilidade_uma_crenca.html


A FRAGILIDADE DE UMA CRENÇA João César das Nevesprofessor



universitárionaohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

A vida pública é hoje ateia ou agnóstica. Ouve-se muito criticar a tolice e o delírio das religiões, mas raramente se refere a fragilidade intelectual da própria atitude ateísta que, com todo o respeito, é muito inconsistente.



Recusar Deus é uma crença como as outras. No fundo trata-se de ter fé na ausência divina. Mas esta crença considera-se a si mesma lógica e natural. A Antropologia e Sociologia sérias mostram o oposto: a religiosidade é o normal em todas as culturas e épocas.



O ateísmo é uma construção tardia e artificial de elites, sobretudo desde o Iluminismo. Mantido em ínfima minoria, agora está em clara decadência. Vendo- -lhe a lógica interna, percebe-se porquê.



O agnosticismo, hoje variante dominante, justificar-se-ia se a existência de Deus fosse inconsequente e negligenciável.



Mas ignorar a possibilidade de Deus é como desinteressar-se da existência do pai, benfeitor ou patrão, senhorio ou polícia. E se Ele aparece? Os verdadeiros agnósticos, com reais dúvidas, são poucos porque a maioria assume a resposta negativa implícita, vivendo um ateísmo disfarçado.



O disfarce evita as dificuldades conceptuais e empíricas do ateísmo aberto, superiores a qualquer religião ou ideologia.A dificuldade mais visível vem da existência da realidade. Porque há algo em vez de nada? Porque existe ordem, não caos?



A resposta ateia era recusar a questão, porque o universo sempre existira assim, mas a teoria do Big Bang explodiu essa certeza e deu solidez científica ao facto da Criação.Eu e o mundo, as coisas, pessoas e outros seres não existiam e passaram a existir. E existem de forma harmónica e coerente.



A realidade é um infinito mosaico de minúcia e complexidade incompreensíveis. A ciência demonstrou que variações infinitesimais de parâmetros fundamentais, das forças do núcleo atómico à densidade do universo, torná-lo-iam impossível. Uma obra supõe um autor. Falar em leis da natureza apenas recua a questão para a origem dessas leis. Seria supina tolice supor um relógio surgindo perfeito das forças fortuitas da geologia e erosão.



Um cérebro, muito mais complexo, quem o fez?A resposta ateia tem de ser que o acaso de milhões de anos conduziu de uma explosão ao sorriso da minha filha. Ou o acaso é Deus, e o ateísmo nega-se, ou essa explicação é muito mais frágil que supor um Autor para a cosmos.



Não tem certamente motivos científicos, ou até razoáveis, a recusa da hipótese plausível de um Criador inteligente. Muito inteligente.Uma segunda dificuldade vem de dentro. Todos os humanos sentem em si uma ânsia de justiça e verdade, um sentido de bem e mal.



Os actuais direitos universais apenas corporizam essa herança original e nela se justificam. Alguns valores são comuns, na enorme variedade de culturas e hábitos. Essa mesma variedade confirma que tal não pode vir de construções históricas e sociais, porque subjaz a todas.A violação da lei moral apenas confirma a sua existência.



Muitos conseguem suprimir em si esta busca da justiça (embora a sintam quando vítimas), mas o trabalho que dá apagá-la revela a inscrição na própria identidade da raça. Uma lei implica um legislador. Como podem meros atómos de carbono, aglomerados em aminoácidos e evoluindo pela selecção natural, gritar que salário digno é valor universal?



O terceiro e pior obstáculo do ateísmo é a ausência de finalidade. Para o ateu este universo, sem origem nem orientação, também não tem propósito. Bons e maus têm o mesmo destino vazio. Saber que vivemos num mundo que se dirige à morte e ao nada faz de nós os mais infelizes dos seres.



Se Deus não existe não existem o bem, a moral, a própria razão. Esta crueldade ontológica é tão avassaladora que poucos que a afirmam a enfrentam com honestidade.A fragilidade lógica do ateísmo é pouco relevante por ser um fenómeno elitista ocidental contemporâneo que, exportado à força pelo marxismo, está em extinção.



A única questão interessante é saber porque coisas tão simples foram escondidas aos sábios e inteligentes e reveladas aos pequeninos.

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